- 1
Vitor Ramil - Semeadura
- 2
Vitor Ramil - Estrela, Estrela
- 3
Vitor Ramil - Foi No Mês Que Vem
- 4
Vitor Ramil - Joquim
- 5
Vitor Ramil - Deixando o Pago
- 6
Vitor Ramil - Ramilonga
- 7
Vitor Ramil - Loucos de Cara
- 8
Vitor Ramil - Querência
- 9
Vitor Ramil - Satolep
- 10
Vitor Ramil - Não É Céu
- 11
Vitor Ramil - Labirinto
- 12
Vitor Ramil - Milonga de Sete Cidades (a Estética do Frio)
- 13
Vitor Ramil - A Ilusão da Casa
- 14
Vitor Ramil - Chimarrão
- 15
Vitor Ramil - O Velho Leon e Natália em Coyoacán
- 16
Vitor Ramil - Um Dia Você Vai Servir a Alguém
- 17
Vitor Ramil - Astronauta Lírico
- 18
Vitor Ramil - Milonga de Los Morenos
- 19
Vitor Ramil - Noite de São João
- 20
Vitor Ramil - Clarisser
- 21
Vitor Ramil - Gaudério
- 22
Vitor Ramil - Ibicuí da Armada
- 23
Vitor Ramil - Invento
- 24
Vitor Ramil - Passageiro
- 25
Vitor Ramil - Viajei
- 26
Vitor Ramil - Campos Neutrais
- 27
Vitor Ramil - Terra (Tierra)
- 28
Vitor Ramil - À Beça
- 29
Vitor Ramil - A resposta
- 30
Vitor Ramil - A Zero Por Hora
- 31
Vitor Ramil - Ana (Sara)
- 32
Vitor Ramil - Assim, Assim
- 33
Vitor Ramil - Causo Farrapo
- 34
Vitor Ramil - De Banda
- 35
Vitor Ramil - Grama Verde
- 36
Vitor Ramil - Indo Ao Pampa
- 37
Vitor Ramil - Livro Aberto
- 38
Vitor Ramil - Longe de Você
- 39
Vitor Ramil - Memória Dos Bardos Das Ramadas
- 40
Vitor Ramil - Milonga de Dos Hermanos
- 41
Vitor Ramil - Milonga de Manuel Flores
- 42
Vitor Ramil - Perdão
- 43
Vitor Ramil - Tapera
- 44
Vitor Ramil - Último Pedido
- 45
Vitor Ramil - Um Bom Poema
- 46
Vitor Ramil - 12 Segundos de Ocuridad
- 47
Vitor Ramil - A Invenção do Olho
- 48
Vitor Ramil - Administério
- 49
Vitor Ramil - Aldeia
- 50
Vitor Ramil - Amar Você
- 51
Vitor Ramil - Anfíbios
- 52
Vitor Ramil - Barroco
- 53
Vitor Ramil - Caricatura
- 54
Vitor Ramil - De um Deus que Ri dos Outros
- 55
Vitor Ramil - Desgarrados
- 56
Vitor Ramil - Engenho
- 57
Vitor Ramil - Espaço
- 58
Vitor Ramil - Hermenegildo
- 59
Vitor Ramil - Hino do Gremio
- 60
Vitor Ramil - Horizontes
- 61
Vitor Ramil - Livros No Quintal
- 62
Vitor Ramil - Mantra Concreto
- 63
Vitor Ramil - Milonga de Albornoz
- 64
Vitor Ramil - Namorada Não é Noiva
- 65
Vitor Ramil - Neve de Papel
- 66
Vitor Ramil - Noa Noa
- 67
Vitor Ramil - Noite e Dia
- 68
Vitor Ramil - Nossa Senhora Aparecida e o Milagre
- 69
Vitor Ramil - Pé de Espora
- 70
Vitor Ramil - Pingo à Soga
- 71
Vitor Ramil - Profissão de Febre
- 72
Vitor Ramil - Sim e Fim
- 73
Vitor Ramil - Sol
- 74
Vitor Ramil - Stradivarius
- 75
Vitor Ramil - Subte
- 76
Vitor Ramil - Talismã
- 77
Vitor Ramil - Tango da Independência
- 78
Vitor Ramil - Telhados de Paris
- 79
Vitor Ramil - Un Cuchillo En El Norte
- 80
Vitor Ramil - Valérie
- 81
Vitor Ramil - A Luta
- 82
Vitor Ramil - A paixão de V segundo ele próprio
- 83
Vitor Ramil - A Word Is Dead
- 84
Vitor Ramil - Acordei Sonhando
- 85
Vitor Ramil - Adiós, Goodbye
- 86
Vitor Ramil - Angel Station
- 87
Vitor Ramil - As moças
- 88
Vitor Ramil - Café da manhã
- 89
Vitor Ramil - Contraposto
- 90
Vitor Ramil - Deixa Eu me Perder
- 91
Vitor Ramil - Desenchufado
- 92
Vitor Ramil - Duerme, Montevideo
- 93
Vitor Ramil - Epílogo
- 94
Vitor Ramil - Estrela, Estrela
- 95
Vitor Ramil - Folhinha
- 96
Vitor Ramil - Fragmento De Milonga
- 97
Vitor Ramil - Lado Montaña, Lado Mar
- 98
Vitor Ramil - Mais Um Dia
- 99
Vitor Ramil - Mango
- 100
Vitor Ramil - Milonga
- 101
Vitor Ramil - Milonga de Sombras
- 102
Vitor Ramil - Mina de Prata
- 103
Vitor Ramil - Minha Virgem
- 104
Vitor Ramil - Minifesto (part. Paulo Leminski e Toninho Horta)
- 105
Vitor Ramil - Nada a Ver
- 106
Vitor Ramil - Nino Rota No Sobrado
- 107
Vitor Ramil - No Manantial
- 108
Vitor Ramil - Noigandres
- 109
Vitor Ramil - Noturno
- 110
Vitor Ramil - O copo e a Tempestade
- 111
Vitor Ramil - O Livro dos Porquês
- 112
Vitor Ramil - O Milho E A Inteligência
- 113
Vitor Ramil - O Primeiro Dia
- 114
Vitor Ramil - Olho d'Água, Água d'Olho
- 115
Vitor Ramil - Palavra Desordem
- 116
Vitor Ramil - Palavra Minha (part. Carlos Moscardini)
- 117
Vitor Ramil - Para Lindsay
- 118
Vitor Ramil - Perfect Day
- 119
Vitor Ramil - Piquete do caveira
- 120
Vitor Ramil - Poemita
- 121
Vitor Ramil - Que Horas Não São?
- 122
Vitor Ramil - Quiet Music
- 123
Vitor Ramil - Sangue Ruim
- 124
Vitor Ramil - Sapatos em Copacabana
- 125
Vitor Ramil - Se Eu Fosse Alguém
- 126
Vitor Ramil - Século Xx
- 127
Vitor Ramil - Sem Dizer
- 128
Vitor Ramil - Será Quase (part. Santiago Vázquez)
- 129
Vitor Ramil - Só Você Manda em Você
- 130
Vitor Ramil - Sujeito Indireto (part. André Gomes)
- 131
Vitor Ramil - Teu Vulto
- 132
Vitor Ramil - Tribo
- 133
Vitor Ramil - Um e Dois
- 134
Vitor Ramil - Uma Carta uma Brasa Através
- 135
Vitor Ramil - Vento Negro
- 136
Vitor Ramil - Virda
- 137
Vitor Ramil - Visita
Joquim
Vitor Ramil
Noite
No meio de uma guerra civil
O luar na janela
Não deixava a baronesa dormir
A voz da voz de Caruso
Ecoava no teatro vazio
Aqui nessa hora é que ele nasceu
Segundo o que contaram pra mim
Joquim era o mais novo
Antes dele haviam seis irmãos
Cresceu o filho bizarro
Com o bizarro dom da invenção
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Quando o cara aprontava mais uma
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
Muito cedo
Ele foi expulso de alguns colégios
E jurou: "Nessa lama eu não me afundo mais"
Reformou uma pequena oficina
Com a grana que ganhara
Vendendo velhas invenções
Levou pra lá seus livros, seus projetos
Sua cama e muitas roupas de lã
Sempre com frio, fazia de tudo
Pra matar esse inimigo invisível
A vida ia veloz nessa casa
No fim do fundo da América do Sul
O gênio e suas máquinas incríveis
Que nem mesmo Julio Verne sonhou
Os olhos do jovem profeta
Vendo coisas que só ontem fui ver
Uma eterna inquietude e virtuosa revolta
Conduziam o libertário
Dezembro de 1937
Uma noite antes de sair
Chamou a mulher e os filhos e disse:
"Se eu sumir procurem logo por mim"
E não sei bem onde foi
Só sei que teria gritado
A uma pequena multidão
"Ao porco tirano e sua lei hedionda
Nosso cuspe e o nosso desprezo!"
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No meio da madrugada, sozinho
Ele foi preso por homens estranhos
Embarcaram num navio escuro
E de manhã foram pra capital
Uns dias mais tarde, cansado e com frio
Joquim queria saber onde estava
E num ar de cigarros
De uns lábios de cobra, ele ouviu:
"Estás onde vais morrer"
Jogado numa cela obscura
Entre o começo do inferno e o fim do céu
Foi assim que depois de muitas histórias
A mulher enfim o encontrou
E ele ainda ficou ali por mais dois anos
Sempre um homem livre apesar da escravidão
As grades, o frio, mas novos projetos
Entre eles um avião
O mundo ardia na guerra
Quando Joquim louco saiu da prisão
Os guardas queimaram
Os projetos e os livros
E ele apenas riu, e se foi
Em Satolep alternou o trabalho
Com longas horas sob o sol
Num quarto de vidro no terraço da casa
Lendo Artaud, Rimbaud, Breton
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No início dos anos 50
Ele sobrevoava o Laranjal
Num avião construído apenas das lembranças
Do que escrevera na prisão
E decidido a fazer outros, outros e outros
Joquim foi ao Rio de Janeiro
Aos orgãos certos,
Os competentes de coisa nenhuma
Tirar um licença
O sujeito lá
Responsável por essas coisas, lhe disse:
"Está tudo certo, tudo muito bem
O avião é surpreendente, eu já vi
Mas a licença não depende só de mim"
E a coisa assim ficou por vários meses
O grande tolo lambendo o mofo das gravatas
Na luz esquecida das salas de espera
O louco e seu chapéu
Um dia
Alguém lhe mandou um bilhete decisivo
E, claro, não assinou embaixo
"Desiste", estava escrito
"Muitos outros já tentaram
E deram com os burros n'água
É muito dinheiro, muita pressão
Nem Deus conseguiria"
E o louco cansado o gênio humilhado
Voou de volta pra casa
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?
No final de longa crise depressiva
Ele raspou completamente a cabeça
E voltou à velha forma
Com a força triplicada
Por tudo, tudo o que passou
Louco, Joquim louco
O louco do chapéu azul
Todos falavam e todos sabiam
Que o cara não se entregava
Deflagrou uma furiosa campanha
De denúncias e protestos
Contra os poderosos
Jogou livros e panfletos do avião
Foi implacável em discursos notáveis
Uma noite incendiaram sua casa
E lhe deram quatro tiros
Do meio da rua ele viu as balas
Chegando lentamente
Os assassinos fugiram num carro
Que como eles nunca se encontrou
Joquim cambaleou ferido alguns instantes
E acabou caído no meio-fio
Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:
"Me dê apenas mais um tiro por favor
Olha pra mim, não há nada mais triste
Que um homem morrendo de frio"
Joquim, Joquim
Nau da loucura no mar das idéias
Joquim, Joquim
Quem eram esses canalhas
Que vieram acabar contigo?