- 1
Sérgio Ricardo - Terra Seca
- 2
Sérgio Ricardo - Perseguição
- 3
Sérgio Ricardo - Calabouço
- 4
Sérgio Ricardo - Beto Bom de Bola
- 5
Sérgio Ricardo - Deus e o Diabo Na Terra do Sol
- 6
Sérgio Ricardo - Zelão
- 7
Sérgio Ricardo - Fé Na Terra
- 8
Sérgio Ricardo - O Nosso Olhar
- 9
Sérgio Ricardo - Ponto de Partida
- 10
Sérgio Ricardo - Conversação de Paz
- 11
Sérgio Ricardo - Sina de Lampião
- 12
Sérgio Ricardo - A Praça é do Povo
- 13
Sérgio Ricardo - A noite do Espantalho
- 14
Sérgio Ricardo - Bichos da Noite
- 15
Sérgio Ricardo - Bouquet de Isabel
- 16
Sérgio Ricardo - Emília
- 17
Sérgio Ricardo - Flicts
- 18
Sérgio Ricardo - Não Gosto Mais de Mim
- 19
Sérgio Ricardo - O Coronel de Macambira
- 20
Sérgio Ricardo - Pernas
- 21
Sérgio Ricardo - Poema Azul
- 22
Sérgio Ricardo - Relógio da Saudade
- 23
Sérgio Ricardo - Toada de Ternura
- 24
Sérgio Ricardo - Vidigal
- 25
Sérgio Ricardo - Além do Mais
- 26
Sérgio Ricardo - Bezerro de Ouro
- 27
Sérgio Ricardo - Brincadeira de Angola
- 28
Sérgio Ricardo - Cafezinho
- 29
Sérgio Ricardo - Canção do Amor Armado
- 30
Sérgio Ricardo - Contra a Maré
- 31
Sérgio Ricardo - Do Lago à Cachoeira
- 32
Sérgio Ricardo - Enquanto a Tristeza Não Vem
- 33
Sérgio Ricardo - Estória de João-Joana
- 34
Sérgio Ricardo - Folha de Papel
- 35
Sérgio Ricardo - Máxima Culpa
- 36
Sérgio Ricardo - Mundo Velho Sem Porteira
- 37
Sérgio Ricardo - Olá
- 38
Sérgio Ricardo - Pirraça / Amo Noite E Dia / Flor / Enquanto Houver Razões
- 39
Sérgio Ricardo - Princesa Isabel
- 40
Sérgio Ricardo - Puladinho
- 41
Sérgio Ricardo - Semente
- 42
Sérgio Ricardo - Vida Brasileira
- 43
Sérgio Ricardo - Vou Renovar
- 44
Sérgio Ricardo - A Fábrica
- 45
Sérgio Ricardo - A Pena e o Penar
- 46
Sérgio Ricardo - A Procura
- 47
Sérgio Ricardo - Aleluia
- 48
Sérgio Ricardo - Analfavile
- 49
Sérgio Ricardo - Arrebentação
- 50
Sérgio Ricardo - Ausência de Você
- 51
Sérgio Ricardo - Barravento
- 52
Sérgio Ricardo - Beira do Cais
- 53
Sérgio Ricardo - Borzeguim
- 54
Sérgio Ricardo - Cacumbu
- 55
Sérgio Ricardo - Canto Americano
- 56
Sérgio Ricardo - Canto Vadio
- 57
Sérgio Ricardo - Cantochão
- 58
Sérgio Ricardo - Depois Do Prazer / Essa Tal Liberdade
- 59
Sérgio Ricardo - Deus de Barro
- 60
Sérgio Ricardo - Do Morro À Matriz
- 61
Sérgio Ricardo - Dulcenegra
- 62
Sérgio Ricardo - Especie Espacial
- 63
Sérgio Ricardo - Esse Mundo é Meu
- 64
Sérgio Ricardo - Fantasia da Alegria
- 65
Sérgio Ricardo - Gira-sol
- 66
Sérgio Ricardo - Jogo de Dados
- 67
Sérgio Ricardo - Juliana Rainha do Mar
- 68
Sérgio Ricardo - Lá Vem Pedra
- 69
Sérgio Ricardo - Labirinto
- 70
Sérgio Ricardo - Linda De Mais / Primeiros Erros / Coisas Esotéricas / Carla
- 71
Sérgio Ricardo - LUANDALUAR
- 72
Sérgio Ricardo - Manhã
- 73
Sérgio Ricardo - Menino da Calça Branca
- 74
Sérgio Ricardo - Menino Passaro
- 75
Sérgio Ricardo - Meu Olhar
- 76
Sérgio Ricardo - Minha Vizinha
- 77
Sérgio Ricardo - Na Moita
- 78
Sérgio Ricardo - O sertão va virae mar
- 79
Sérgio Ricardo - Palmares
- 80
Sérgio Ricardo - Por Aí Afora
- 81
Sérgio Ricardo - Prece
- 82
Sérgio Ricardo - Predador
- 83
Sérgio Ricardo - Quando Menos Se Espera
- 84
Sérgio Ricardo - Quando Vem Dia Primeiro
- 85
Sérgio Ricardo - Só Eu Sei
- 86
Sérgio Ricardo - Tamborim de Carnaval
- 87
Sérgio Ricardo - Tarja Cravada
- 88
Sérgio Ricardo - Tema da Posse
- 89
Sérgio Ricardo - Teresa da Praia
- 90
Sérgio Ricardo - Tocaia
- 91
Sérgio Ricardo - Tudo o Que Eu Sou Eu Dei
- 92
Sérgio Ricardo - Vidas Rasas
- 93
Sérgio Ricardo - Vim Lhe Dizer
- 94
Sérgio Ricardo - Zé do Encantado
Estória de João-Joana
Sérgio Ricardo
Em Lages do Caldeirão
É caso de muito ensino
Merecedor de atenção
Por isso é que me apresento
Fazendo esta relação
Vivia em dito arraial
No país das Alagoas
Um rapaz chamado João
Cuja força era das boas
Pra sujigar burro bravo
Tigres onças e leoas
João, lhe deram este nome
Não foi de letra em cartório
Pois sua mãe e seu pai
Viviam de peditório
Gente assim do miserê
Nunca soube o que é casório
Ficou sendo João pois esse
É nome de qualquer um
Não carece escogitar
Pedir a doutor nenhum
Que a sentença vem do céu
Não de lá do Barzabum
De pequeno ficou órfão
Criado por seus dois manos
Foi logo para o trabalho
Com muitos outros fulanos
O seu muque sem mentira
Era o de três muçulmanos
Na enxada quem que vencia
Aquele tico de gente
No boteco se ele entrava
Pra bochechar aguardente
O saudavam com respeito
Deus lhe salve meu parente
João moço não enjeitava
Parada com sertanejo
Podiam brincar com ele
Sem carregar no gracejo
Dizia que homem covarde
Não é cabra é percevejo
Num dia de calor desses
Que tacam fogo no agreste
João suava que suava
Sem despir a sua veste
- Companheiro esta camisa
Não é coisa que moleste?
Lhe perguntou um amigo
Que estava de peito nu
E João se calado estava
Nem deu pio de nambu
Ninguém nunca viu seu pelo
Nem por traz do murundu
João era muito avexado
Na hora de tomar banho
Punha tranca no barraco
Fugindo a qualquer estranho
Em Lages nenhum varão
Tinha recato tamanho
João nas últimas semanas
Entrou a sofrer de inchaço
Mesmo assim arranca toco
Sem se carpir de cansaço
Um dia não guenta mais
E exclama: O que é que eu faço
Os manos vendo naquilo
Coisa mei desimportante
Logo receitam de araque
Meizinha sem variante
Para qualquer macacoa
Carece tomar purgante
João entrou no purgativo
Louco de dor e de medo
Se estorcendo e contorcendo
Na solidão do arvoredo
Pois ele em sua aflição
Lá se escondera bem cedo
O gemido que exalava
Do peito de João sozinho
Alertou os seus dois manos
Que foram ver de mansinho
Como é que aquele bravo
Se tornara tão fraquinho
No chão de terra essa terra
Que a todos nós vai comer
Chorava uma criancinha
Acabada de nascer
E João de peito desnudo
Acarinhava este ser
Aquela cena imprevista
Causou a maior surpresa
O que tanto se ocultara
Se mostrava sem defesa
João deixara de ser João
Por força da natureza
A mulher surgia nele
Ao mesmo tempo que o filho
Tal qual se brotassem junto
A espiga com o pé de milho
Ou como bala que estoura
Sem se puxar o gatilho
Se os manos levaram susto
Até eu que apenas conto
E o povo todo assuntando
A história ponto por ponto
Ficou em breve inteirado
Do que aí vai sem desconto
Nem menino, nem menina
Era João quando nasceu
Sua mãe sem saber ao certo
O nome de João lhe deu
Dizendo: Vai vestir calça
E não saia que nem eu
À proporção que crescia
Feito animal na campina
Em João foi-se acentuando
A condição feminina
Mas ele jamais quis ser
Tratado feito menina
Pois nesse triste povoado
E cem léguas ao redor
Ser homem não é vantagem
Mas ser mulher é pior
Quem vê claro já conclui
De dois males o menor
Homem é grão de poeira
Na estrada sem horizonte
Mulher nem chega a ser isso
E tem de baixar a fronte
Ante as ruindades da vida
De altura maior que um monte
A sorte se presenteia
A todos doença e fome
Para as mulheres capricha
Num privilégio sem nome
Colhe miséria maior
E diz à coitada - tome
É forma de escravidão
A infinita pobreza
Mas duas vezes escrava
É a mulher com certeza
Pois escrava de um escravo
Pode haver maior dureza?
Por isso aquela mocinha
Fez tudo para iludir
Aos outros e ao seu destino
Mas rola não é tapir
E chega lá um momento
Da natureza explodir
João vira Joana, acontecem
Dessas coisas sem preceito
No seu colo está Joãozinho
Mamando leite de peito
Pelo menos este aqui
De ser homem tem direito
De ser homem de escolher
O seu próprio sofrimento
E de escrever com peixeira
A lei do seu mandamento
Quando, à falta de outra lei
Ou eu fujo ou arrebento
Joana desiste de tudo
Que ganhara por mentira
Sabe que agora lhe resta
Apenas do saco a embira
E nem mesmo lhe aproveita
Esta minha pobre lira
Saibam quantos deste caso
Houverem ciência que a vida
Não anda em favor e graça
Igualmente repartida
E que dor ensombra a falta
De amor de paz e comida
Meu amigo meu irmão
Eu nada te peço a ti
Senão me ouvir com paciência
De Minas ao Piauí
Tendo contado o meu conto
Adeus me despeço aqui