Lá bem longe, o cacarejo Junto à voz de minha vó Que tanto bem escondia Debaixo da cama o seu
O nosso passado eu via Dentro da sua mala o pó E a luz de uma faca fria Quase ia me cegar os ói
Refletiu a minha irmã Que sentira o seu sabor Bibiana e Belonísia Desabava na sua vó Fala ou eu te arranco a língua Sem saber que a língua estava em minha mão
Tive que ser sua boca Sua vontade, seu falar Mesmo muda me contava Tudo através do olhar Meu sangue, minha irmã
Mas pra gente como a gente Meu pai me ensinou Terra aqui só tem valor Se tem trabalho
E pro dono dessa terra Severo me ensinou Gente aqui não tem valor Só tem trabalho
Pode só casa de barro De tijolo nem pensar Mas Severo não aceitava E sonhava com um lugar Onde havia até escola Onde a gente ia estudar Onde o povo era dono Até do seu próprio lar Muito além de Água Negra
Se chover, meu pai, não vai Sentir frio e se molhar E debaixo da terra Como está Severo? Perguntava Ana
Mas não chora, minha mãe Que eu vou te cuidar Consolava Inácio E eu já calejada Que já vi de tudo Mas não me acostumo Me desfiz em chuva
Pra penetrar sua boca E carregar seu sangue Depois que o sol cair Vou cavalgar um corpo Volto a cavar a cova Torno a usar a faca
Meu cavalo já morreu E o meu nome se esqueceu
E eu que vi de tudo Mas não me acostumo A ver sonhos mortos
Nessa vez não Nessa vez não Dessa vez não Dessa vez não