- 1
Carlos Drummond de Andrade - No Meio do Caminho
- 2
Carlos Drummond de Andrade - Poema de Sete Faces
- 3
Carlos Drummond de Andrade - Quadrilha
- 4
Carlos Drummond de Andrade - José
- 5
Carlos Drummond de Andrade - Consolo Na Praia
- 6
Carlos Drummond de Andrade - Memória
- 7
Carlos Drummond de Andrade - Necrológio Dos Desiludidos do Amor
- 8
Carlos Drummond de Andrade - Amar
- 9
Carlos Drummond de Andrade - O Amor Bate Na Aorta
- 10
Carlos Drummond de Andrade - Infância
- 11
Carlos Drummond de Andrade - O Homem; As Viagens
- 12
Carlos Drummond de Andrade - O Tempo Passa? Não Passa
- 13
Carlos Drummond de Andrade - As Sem - Razões do Amor
- 14
Carlos Drummond de Andrade - Mundo Grande
- 15
Carlos Drummond de Andrade - Para Sempre
- 16
Carlos Drummond de Andrade - Canção Amiga
- 17
Carlos Drummond de Andrade - Nosso Tempo
- 18
Carlos Drummond de Andrade - Amor e Seu Tempo
- 19
Carlos Drummond de Andrade - Síntese da felicidade
- 20
Carlos Drummond de Andrade - Resíduo
- 21
Carlos Drummond de Andrade - Caso do Vestido
- 22
Carlos Drummond de Andrade - O Elefante
- 23
Carlos Drummond de Andrade - Mãos Dadas
- 24
Carlos Drummond de Andrade - O Lutador
- 25
Carlos Drummond de Andrade - Confidência do Itabirano
- 26
Carlos Drummond de Andrade - Quero
- 27
Carlos Drummond de Andrade - Procura da Poesia
- 28
Carlos Drummond de Andrade - Adeus a Sete Quedas
- 29
Carlos Drummond de Andrade - Anedota Búlgara
- 30
Carlos Drummond de Andrade - Canto Negro
- 31
Carlos Drummond de Andrade - O Mito
- 32
Carlos Drummond de Andrade - Carta
- 33
Carlos Drummond de Andrade - Campo de Flores
- 34
Carlos Drummond de Andrade - Liberdade
- 35
Carlos Drummond de Andrade - Morte do Leiteiro
- 36
Carlos Drummond de Andrade - O Enterrado Vivo
- 37
Carlos Drummond de Andrade - Obrigado
- 38
Carlos Drummond de Andrade - Declaração de Amor
- 39
Carlos Drummond de Andrade - Canção Final
- 40
Carlos Drummond de Andrade - Quarto Em Desordem
- 41
Carlos Drummond de Andrade - Destruição
- 42
Carlos Drummond de Andrade - Estrambote Melancólico
- 43
Carlos Drummond de Andrade - A um Bruxo, Com Amor
- 44
Carlos Drummond de Andrade - Confissão
- 45
Carlos Drummond de Andrade - Intimação
- 46
Carlos Drummond de Andrade - Os Ombros Suportam o Mundo
- 47
Carlos Drummond de Andrade - Canção Para Álbum de Moça
- 48
Carlos Drummond de Andrade - Declaração Em Juízo
- 49
Carlos Drummond de Andrade - Oficina Irritada
- 50
Carlos Drummond de Andrade - Escravo de Papelópolis
- 51
Carlos Drummond de Andrade - Um boi vê os homens
- 52
Carlos Drummond de Andrade - Aos Namorados do Brasil
- 53
Carlos Drummond de Andrade - Boitempo
- 54
Carlos Drummond de Andrade - Falta Um Disco
- 55
Carlos Drummond de Andrade - Balada do Amor Através das Idades
- 56
Carlos Drummond de Andrade - Desaparecimento de Luisa
- 57
Carlos Drummond de Andrade - Fazenda
- 58
Carlos Drummond de Andrade - Jardim
- 59
Carlos Drummond de Andrade - Poema Patético
- 60
Carlos Drummond de Andrade - Duas Vezes Escrava
- 61
Carlos Drummond de Andrade - Fraga e Sombra
- 62
Carlos Drummond de Andrade - Glaura Revivida
- 63
Carlos Drummond de Andrade - O Malvindo
Desaparecimento de Luisa
Carlos Drummond de Andrade
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
- ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.