- 1
Alfredo Marceneiro - A Casa da Mariquinhas
- 2
Alfredo Marceneiro - Fado Cravo
- 3
Alfredo Marceneiro - Viela
- 4
Alfredo Marceneiro - Cabelo Branco É Saudade
- 5
Alfredo Marceneiro - O Marceneiro
- 6
Alfredo Marceneiro - Café de Camareiras
- 7
Alfredo Marceneiro - Fado Laranjeira
- 8
Alfredo Marceneiro - O Lenço
- 9
Alfredo Marceneiro - Antes e Depois
- 10
Alfredo Marceneiro - Tricana
- 11
Alfredo Marceneiro - O Pagem
- 12
Alfredo Marceneiro - Amor de Mãe
- 13
Alfredo Marceneiro - Amor É Água Que Corre
- 14
Alfredo Marceneiro - Colchetes de Oiro
- 15
Alfredo Marceneiro - Fado Bailado
- 16
Alfredo Marceneiro - Moinho Desmantelado
- 17
Alfredo Marceneiro - Remorso
- 18
Alfredo Marceneiro - Senhora do Monte
- 19
Alfredo Marceneiro - Sonho Dourado
- 20
Alfredo Marceneiro - Amor Zagal
- 21
Alfredo Marceneiro - Bairros de Lisboa
- 22
Alfredo Marceneiro - Conceito
- 23
Alfredo Marceneiro - Despedida
- 24
Alfredo Marceneiro - Fado da Balada
- 25
Alfredo Marceneiro - Ironia
- 26
Alfredo Marceneiro - Lembro-me de Ti
- 27
Alfredo Marceneiro - O Leilão da Mariquinhas
- 28
Alfredo Marceneiro - A Camponesa e o Pescador
- 29
Alfredo Marceneiro - A Minha Freguesia
- 30
Alfredo Marceneiro - Bêbado Pintor
- 31
Alfredo Marceneiro - Cabaré
- 32
Alfredo Marceneiro - Depois do Leilão
- 33
Alfredo Marceneiro - Domingo de Agosto
- 34
Alfredo Marceneiro - Empate Dois a Dois
- 35
Alfredo Marceneiro - Foi Na Velha Mouraia
- 36
Alfredo Marceneiro - Há Festa Na Mouraria
- 37
Alfredo Marceneiro - Já Sabem da Mariquinhas
- 38
Alfredo Marceneiro - Janela da Vida
- 39
Alfredo Marceneiro - Laranjeira Florida
- 40
Alfredo Marceneiro - Menina do Mirante
- 41
Alfredo Marceneiro - Mocita Dos Caracois
- 42
Alfredo Marceneiro - Nos Tempos Em Que Eu Cantava
- 43
Alfredo Marceneiro - O Bailado Das Folhas
- 44
Alfredo Marceneiro - O Louco
- 45
Alfredo Marceneiro - O Natal do Moleiro
- 46
Alfredo Marceneiro - O Pierrot
- 47
Alfredo Marceneiro - O Remorso
- 48
Alfredo Marceneiro - O Testamento da Mariquinhas
- 49
Alfredo Marceneiro - Oh Águia
- 50
Alfredo Marceneiro - Quadras Soltas
- 51
Alfredo Marceneiro - Sinas
Bêbado Pintor
Alfredo Marceneiro
De nauseabunda cor e tábua carcomida
O bêbado pintor a lápis desenhou
O retrato fiel duma mulher perdida
Era noite invernosa e o vento desabrido
Num louco galopar ferozmente rugia,
Vergastando os pinhais, pelos campos corria,
Como um triste grilheta ao degredo fugido.
Num antro pestilento, infame e corrompido,
Imagem de bordel, cenário de caverna,
Vendia-se veneno à luz duma lanterna
À turba que se mata, ingerindo aguardente,
Estava um jovem pintor, atrofiando a mente,
Encostado sem brio ao balcão da taberna.
Rameiras das banais, num doido desafio,
Exploravam do artista a sua parca féria,
E ele na embriaguez do vinho e da miséria,
Cedia às tentações daquele mulherio.
Nem mesmo a própria luz nem mesmo o próprio frio,
Daquele vazadouro onde se queima a vida,
Faziam incutir à corja pervertida,
Um sentimento bom d'amor e compaixão,
P'lo ébrio que encostava a fronte ao vil balcão,
De nauseabunda cor e tábua carcomida.
Impudica mulher, perante o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos,
Agarrou-se ao rapaz, cobrindo-o de beijos,
Perguntando a sorrir, qual era o seu oficio,
Ele a cambalear, fazendo um sacrifício,
Lhe diz a profissão em que se iniciou,
Ela escutando tal, pedindo-lhe alcançou
Que então lhe desenhasse o rosto provocante,
E num sujo papel, o rosto da bacante
O bêbado pintor com um lápis desenhou.
Retocou o perfil e por baixo escreveu,
Numa legível letra o seu modesto nome,
Que um ébrio esfarrapado, com o rosto cheio de fome,
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu,
Esta, louca de dor, para o jovem correu,
E beijando-lhe o rosto, abraço-o de seguida...
Era a mãe do pintor, e a turba comovida,
Pasma ante aquele quadro, original, estranho,
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho:
O retrato fiel duma mulher perdida.